17 Junho 2016

Diagnóstico da Leishmaniose Visceral Canina

A Leishmaniose Visceral Canina (LVC) é uma zoonose distribuída mundialmente causada por três espécies de protozoários tripanossomatídeos do gênero Leishmania. No velho mundo, a doença é causa por Leishmania (Leishmania) donovani e Leishmania (Leishmania) infantum, enquanto no novo mundo, inclusive no Brasil, é causada por Leishmania (Leishmania) chagasi.

A LVC é uma doença vetorial, transmitida por flebotomíneos do gênero Lutzomyia, que acomete naturalmente diversas espécies animais, tanto domésticas como silvestres, além do ser humano. Sua transmissão ocorre durante o repasto sanguíneo do vetor, que ao se alimentar em um hospedeiro infectado ingere macrófagos parasitados por Leishmania em sua forma amastigota (esférica ou ovóide, com núcleo arredondado, cinetoplasto, aflagelada). No flebótomo, as amastigotas sofrem processos de divisão, multiplicação e diferenciação até chegarem a promastigotas (comprida, com núcleo arredondado, cinetoplasto, flagelada), as quais são inoculadas através da picada. No hospedeiro vertebrado, as promastigotas são fagocitadas por macrófagos, diferenciam-se em amastigotas e disseminam-se em seu organismo. 

Entre os diversos hospedeiros, o cão é considerado o principal reservatório doméstico, assumindo papel de importância especialmente nas áreas endêmicas. Assim, a relevância do diagnóstico desta zoonose, tanto do ponto de vista epidemiológico quanto individual. O diagnóstico da LVC pode ser estabelecido de forma clínica, sorológica, parasitológica, molecular ou ainda por outros métodos menos rotineiros, contudo, atualmente, ainda não se dispõe de nenhum teste 100% sensível e específico. 

Diagnóstico Clínico. Diagnosticar clinicamente a LVC é extremamente complicado, primeiro devido à amplitude de sintomas que são observados nesta doença, tais como febre, emagrecimento, linfadenopatia, alterações de pele e olhos, insuficiência renal, anemia, epistaxe e onicogrifose. Em segundo lugar, a dificuldade do diagnóstico clínico reside no fato de muito animais permanecerem assintomáticos por longos períodos ou por toda a vida, sendo que, nas áreas endêmicas, a prevalência clínica da leishmaniose é 5 a 10 vezes menor do que a prevalência real da infecção. Exames laboratoriais de rotina, como hemograma e dosagens bioquímicas, ou exames histopatológicos, também não são capazes de confirmar o diagnóstico da LVC, sendo observadas alterações sugestivas, porém inespecíficas. Portanto, é necessário conciliar à avaliação clínica e laboratorial, a realização de exames mais específicos. 

Diagnóstico Sorológico. O diagnóstico sorológico pode ser realizado por diferentes técnicas, baseadas na detecção de anticorpos anti-Leishmania. A produção de anticorpos da classe IgG inicia logo após a infecção, geralmente atinge níveis detectáveis depois de cerca de 3 meses e mantêm titulações positivas por até dois anos. A interpretação dos resultados dos exames sorodiagnósticos deve ser cuidadosa porque estes testes podem falhar na detecção de infecções pré-patentes, na identificação de animais incapazes de realizar a soroconversão ou daqueles que voltam a soronegatividade. E há ainda a interferência da presença de anticorpos maternos, observada nos filhotes até o quarto mês de vida (faixa etária recomendada pelos fabricantes de vacinas contra LVC para início da imunização). 

Há dois tipos de materiais biológicos que podem ser usados nos testes sorológicos, o soro sanguíneo ou o eluato (sangue eluído obtido após lancetagem da veia marginal auricular e transferência do sangue por capilaridade para papel filtro padronizado). O soro, obtido após coagulação e centrifugação de sangue total coletado sem anticoagulante por venipunção das veias cefálica ou jugular, é o material recomendado pelo Ministério da Saúde (MS). Diversas técnicas sorológicas estão disponíveis para o diagnóstico da LVC, sendo que duas delas, o Ensaio de Imunoenzimático (ELISA) e a Reação de Imunofluorescência (RIFI) são recomendadas pelo MS para realização de inquéritos epidemiológicos a campo. 

O ELISA é considerado método de triagem e seus resultados são comumente expressos em reagente ou não reagente. Sua sensibilidade varia de 71 a 100% e sua especificidade entre 85 e 100%; os fatores que influenciam estas variáveis são o antígeno utilizado (bruto ou recombinante) e o protocolo padrão (tempo de incubação e tipo de microplaca utilizada). A utilização de antígeno bruto ou total limita a especificidade do ELISA propiciando reações cruzadas com outros tripanossomatídeos e até mesmo com organismos distantes filogeneticamente. Já a utilização de antígenos recombinantes, específicos do gênero Leishmania, melhora tanto a especificidade quanto a sensibilidade deste teste, contudo ainda são observadas reações cruzadas com outros membros da família Trypanosomatidae. 

O RIFI, de acordo com o MS, é um teste confirmatório para diagnóstico da LVC e seus resultados são normalmente expressos em diluições, consideradas positivas a partir de 1:40. Sua sensibilidade varia de 68 a 100% e a especificidade de 74 a 100%. Assim como ocorre com o ELISA, também são observadas reações cruzadas com tripanossomatídeos e outros microrganismos, por isso resultados positivos neste teste não devem ser tidos como indicadores de infecção específica por Leishmania. 

Estudos sobre os testes sorológicos para diagnóstico da LVC têm procurado avançar com objetivos de avaliar a associação entre a produção de anticorpos de classe específica e o desenvolvimento de sintomas e também a diferenciação sorológica entre animais vacinados e naturalmente infectados. 

Diagnóstico Parasitológico. Exames parasitológicos são seguros para diagnóstico da infecção por Leishmania spp., pois neles as formas amastigotas são observadas diretamente nos tecidos do animal. Podem ser utilizadas amostras de esfregaço sanguíneo, linfonodos, medula óssea, fígado, baço e pele corados por corantes do tipo Romanowski. A especificidade do método é de aproximadamente 100% e a sensibilidade depende do grau de parasitemia, tipo de material biológico coletado e do tempo de leitura da lâmina, ficando em torno de 80% para cães sintomáticos e menor para cães assintomáticos. A punção aspirativa por agulha fina dos linfonodos, especialmente o poplíteo, tem sido preferida por sua facilidade de execução, obtenção de material significativo para o exame e poucos riscos inerentes a técnica assim como baixa agressividade tecidual. Exames da pele, como imprint de lesões, punção de nodulações ou biopsia também têm se mostrado úteis. 

A sensibilidade dos exames parasitológicos é significativamente aumentada quando são utilizadas técnicas imunohistoquímicas para coloração. Os corantes citoquímicos são capazes de detectar antígenos de Leishmania nos tecidos, aumentando o grau de contraste entre as leishmanias e o tecido circundante, mesmo com baixo parasitismo. A técnica de imunohistoquímica é de fácil execução, a leitura das lâminas é mais prática e rápida que nas citologias coradas pelos corantes de rotina e possui uma grande vantagem em relação à RIFI porque suas lâminas são examinadas em microscopia óptica comum. A Reação de Imunofluorescência Direta (RIFD) também tem sido avaliada em sua aplicabilidade na leitura de aspirados de linfonodos. Esta técnica aumentou significativamente a sensibilidade da pesquisa do parasito em relação às colorações comuns de Romanowski. 

Diagnóstico Molecular. A Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) é o método molecular capaz de identificar e ampliar fragmentos específicos do DNA da Leishmania, por isso sua altíssima especificidade em torno dos 100% e sensibilidade que varia de 82 a 100%. Assim como para os testes parasitológicos, na PCR, uma gama de materiais biológicos pode ser utilizada, inclusive cortes histológicos parafinados e o próprio vetor. Apesar destas vantagens, as técnicas moleculares possuem as desvantagens de custo e exigências quanto a equipamento e habilidade técnica. 

Outros métodos diagnósticos. Há outras técnicas disponíveis para o diagnóstico da LVC, contudo com desvantagens em relação às anteriores, que prejudicam sua utilização de rotina. A cultura de Leishmania é um método muito específico e útil para o isolamento e identificação do parasita, porém pouco sensível no início da infecção ou quando a carga parasitária é baixa; além disso, o crescimento demora de três a cinco dias. A inoculação experimental em cobaias também é demorada e ocorrem resultados falso-negativos, assim o método perde seu valor prático como teste diagnóstico. Outra forma, o xenodiagnóstico, detecta e possibilita o isolamento do parasita no vetor, mas também não tem valor prático no diagnóstico, sendo utilizado para avaliação da infectividade dos flebotomíneos. 

Apesar dos avanços nos estudos do diagnóstico da LVC, ainda não dispomos de teste diagnóstico que englobe todas as variáveis desejadas: sensibilidade, especificidade, praticidade, rapidez e ainda boa relação custo-benefício; por isso, a conclusão diagnóstica é dada após a conciliação entre a clínica do animal e a realização de exames (sorológicos, parasitológicos e moleculares) interpretados cuidadosamente. 


AUTORA: Thatianna Camillo Pedroso – Médica Veterinária, Mestre em Ciência Animal 

 

Fonte: https://www.portaleducacao.com.br/veterinaria/artigos/9948/diagnostico


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